Ouço muitas pessoas falarem: “Eu
não tenho dívida nenhuma com a escravidão, não estava lá na época”. Em tese,
não estávamos, mas tenho minhas dúvidas, já que acredito que tudo está
interligado: pessoas – Terra – tempo – espaço. Principalmente, quando sabemos o
quanto o povo escravizado sofreu. Creio que algum reparo, que nossos
antepassados deveriam ter feito e não fizeram, podemos fazer agora. Um
arquiteto baiano foi atrás de sua ascendência africana, em busca de uma resposta.
Através de pesquisa de seu DNA, ele descobriu onde vivia seus ancestrais. Ele
viajou para uma comunidade no interior de Camarões e indagou ao chefe da tribo
por que seus antepassados deixaram que seu povo fosse escravizado e humilhado. Isso
é contado por Laurentino Gomes em seu mais novo livro: Escravidão – Volume 1,
que explora a história desde o primeiro leilão de escravos, em Portugal, em
1444, até a destruição do Quilombo dos Palmares e consequente morte de Zumbi,
em 1695. Para nos brindar com essa obra de arte, Laurentino Gomes foi a vários
países e escarafunchou tudo o que pôde para escrever, magistralmente, sobre a
história do povo escravizado, que nem sempre foram os negros.
Mergulhei nas 504 páginas do
livro, naquele terrível episódio da história do Brasil e de outros países,
sentindo na alma a dor, aflição e sofrimento pelos quais passou o povo
escravizado, a maioria vindo da África. O Brasil foi o maior território
escravista do Ocidente, com 5 milhões de africanos cativos, dentre os 12,5
milhões embarcados da África para a América. Aliás, o Brasil sempre esteve em
destaque em relação à escravidão, foi o último país a acabar com o tráfico e
último do continente a libertar os escravos. A capital que mais recebeu
escravos? Rio de Janeiro. Durante 3 séculos e meio, a economia brasileira girou
em torno da escravidão, com a plantação de cana e depois café e depois com as
pedras preciosas. Naquela época, Brasil era açúcar e café e açúcar e café eram
escravidão. Por incrível e mais cruel que pareça, o tráfico de escravos foi um
elemento determinante na formação do país. Além disso, O Brasil é citado mais
uma vez através do mais famoso e mais rico mercador de escravos da Costa
africana: Francisco Félix de Souza, nascido em Salvador, tendo se mudado ainda
jovem para a África.
O tratamento e as condições que
eram impostos aos escravizados eram abomináveis. 45% deles morriam no trajeto África
ao Continente Americano. De 100 capturados, 40 sobreviviam no final da jornada.
Eram transportados em ambientes insalubres, fétidos, em meio a fezes e ratos, mal
alimentados, tratados como cargas, como animais.
Certa vez, em discussão no meio
político, alguém do novo governo alegou que o Brasil não foi à África retirar o
povo de lá, que foram os próprios africanos que escravizaram seu povo. Mas essa
alegação não passa de uma má interpretação da história. O livro Escravidão cita
que tribos africanas vendiam seu próprio povo para sobreviver economicamente.
Mas, quem explorou a mão-de-obra escrava, humilhou e agrediu foram os países europeu
e americano. E acredito que esse carma pesa até os dias atuais, como um fardo
que teremos que carregar por toda a história e expiar em algum momento de nossa
vida. Parece bobagem, mas basta observar algumas pessoas que espelham em sua
personalidade características escravistas, que com truculência, impõem
autoridade sobre os demais, que muitas vezes, não conseguem ou não encontram
condições para se defenderem.
Por: Denise Constantino da Fonseca